Quem nunca ao viajar de avião cruzou no saguão do aeroporto ou dentro da própria aeronave com o comandante do avião? Dentro do seu traje impecável, do seu olhar superior e da sua atmosfera resoluta, é ele que conduz o seu voo em segurança, operando uma máquina milionária e complexa.
A descrição deste profissional dos ares poderia ser aplicada a um executivo de uma grande empresa. Trata-se também de um comandante, que dentro de um universo psicológico muito parecido, se assemelha à um piloto de um jato comercial. No entanto, as maiores semelhanças entre um comandante de um avião e um executivo não estão nas suas atitudes e comportamentos e sim na maneira como operam seus ambientes de trabalho.
O piloto de um Boeing 777 conduz um aparelho complexo, que para operar é preciso coordenar o funcionamento em sincronia de diferentes dispositivos. Com ajuda de um copiloto e sobretudo de inúmeros computadores, o comodante da aeronave leva o avião de um ponto A a um ponto B. Durante a maior parte desse trajeto o avião voa no piloto automático, sendo supervisionado pelos pilotos.
As grandes organizações produziram executivos que são réplicas de um piloto de Boeing ou Airbus. Levam empresas de uma ponta a outra operando um painel complexo de indicadores, equipes, comitês, consultorias e ferramentas. Gerenciam organizações apertando um ou outro botão, mas não possuem efetivamente o controle do manche das suas empresas, assim como um piloto de uma aeronave moderna que não pilota sem ajuda de computadores e outros dispositivos.
Porém, os grandes pilotos da aviação comercial nunca abandonaram a sua real vocação de voar. De tempos em tempos saem do conforto do cockpit dos seus jatos e voam pequenas aeronaves, monomotores na maioria das vezes, sem instrumentos complexos de navegação, que para decolar e pousar dependem do real talento dos pilotos. São nestes voos que os pilotos sentem a força da gravidade brigando com a aeronave ou impacto dos ventos no curso do seu voo. Efetivamente estão no comando de um avião.
Onde quero chegar com essa analogia de pilotos com executivos?
As grandes empresas no mundo inteiro formaram profissionais que conduzem negócios complexos e bem-sucedidos, que dentro de seu cockpit empresarial, funcionou muito bem. São executivos que normalmente trabalham em um modelo em que só tomam decisões respaldados de muita informação, que gerem equipes baseados em sua hierarquia, que se valem do sobrenome corporativo para realizar negociações externas, que lançam projetos com budgets elevados e prazos que poucas vezes são cumpridos e mais: como estão em uma organização complexa, qualquer fracasso individual pode ser empurrado para um colega mais fraco politicamente, da mesma forma que o comandante culpa o copiloto por um pouso pouco suave.
Ocorre que o mundo dos negócios mudou numa velocidade que a grande maioria desses executivos não conseguiram acompanhar. Hoje exige-se muito mais protagonismo, agilidade e capacidade de lidar com turbulências, que o executivo em piloto automático não consegue reagir. O profissional que não entende as novas dinâmicas de comunicação, o impacto que a transformação digital trouxe para todo negócio e a maneira como gerir sua equipe de jovens, não é mais capaz de levar sua empresa aonde ele sempre levou.
Hoje é crescente o número desses “executivos piloto automático” que estão disponíveis no mercado de trabalho. Seja porque as grandes empresas já perceberam que o seu comando não é mais efetivo, ou porque se aposentaram, mas como ainda estão jovens e com muita energia, buscam outros desafios.
É nessa hora que esses executivos que passaram a vida inteira pilotando um Boeing 777 buscam empreender ou conduzir negócios pequenos e aí ocorre um verdadeiro choque de realidade: percebem que não sabem mais ou talvez nunca souberam voar um avião pequeno. Desconhecem como trabalhar em uma estrutura enxuta, não sabem quais variáveis controlar, não conseguem migrar do macrogerenciamento para o microgerenciamento, enfim, desconhecem os vetores que movem a empresa.
Neste contexto, é comum ver executivos que geriam unidades de negócios ou empresas que faturavam R$500 milhões por ano e hoje não conseguem tocar o salão de beleza da esposa ou o petshop de bairro da filha veterinária. Isso porque precisam, para tomar uma simples decisão de fazer uma promoção, de estudos de mercado da Nielsen ou ainda de um relatório executivo da McKinsey. Normalmente também pecam na gestão de suas equipes, formadas geralmente por jovens da Geração Y, que se importam menos com hierarquia e salários e buscam muito mais um alinhamento de propósito com a empresa para desempenhar bem suas funções, algo fora do radar dos “executivos piloto automático”. Parêntesis: ainda nem entram em rota de colisão com a Geração Z, que não dá nem valor aos estudos formais, algo muito valorizado por esse executivo que fez seu MBA em Harvard ou MIT.
A grande questão que fica é que são profissionais extremamente competentes que não conseguem conduzir negócios. São gerentes de máquinas burocráticas. Porém, as próprias empresas estão deixando a burocracia de lado. Adotam cada vez mais o pensamento lean, derrubam hierarquias, buscam conduzir suas grandes operações como se fossem um negócio local. Quando uma grande empresa patrocina iniciativas de Corporate Venture, ou seja, de apoiar startups, ela não busca apenas inovação tecnológica. O único ganho que é garantido se esse processo for bem feito é trazer um mindset mais moderno na maneira de pensar e gerir negócios. Algo que o executivo padrão, aquele que voou a vida inteira no piloto automático não possui.
Esse executivo é talentoso e muitos se esforçam para corrigir esse gap, que não é apenas de conhecimento, sendo em grande parte de modelo mental. Em geral, essa correção ocorre em busca de uma pós-graduação ou cursos rápidos nas universidades de ponta aqui do Brasil. É nessa hora que o problema é encoberto: a maioria das pós-graduações de marketing, empreendedorismo e inovação tecnológica aqui do Brasil estão defasadas. O aluno busca instituições de renome, mas que também estão em crise em seu modelo de ensino e vendem cursos que já nascem defasados e que após dois anos de duração, entregam um conteúdo pouco ligado à realidade. Dica: para estudar conhecimentos de tecnologia, inovação e negócios é importante buscar nanodegree, ou seja, cursos curtos e rápidos, ministrado por pessoas que estão vivendo as transformações de verdade.
Para encerrar, gerir um negócio hoje, seja ele próprio ou em uma grande empresa requer controle efetivo do manche da organização. Não é mais possível simplesmente controlar um painel complexo e deixar que o piloto automático conduza a empresa. Essa habilidade é cada vez mais dominada por muita gente, mas assusta ver o número de executivos de alto escalão que ainda desconhece os princípios básicos de condução de um negócio em sua essência, como gestão de canais, construção de diferencias, gestão de equipe, desenho de produtos e serviços dentro de uma ótica mais simples, alinhada ao mundo veloz e efêmero. Trata-se de uma mudança de mindset e não apenas um conhecimento que pode ser comprado em curso caro e que possui um bom selo.