Arquivos mensais: setembro 2017

Os riscos da venda consultiva pouco falados no mercado

Geralmente as vendas consultivas ocorrem em contextos de vendas complexa, em que o vendedor busca auxiliar o comprador no processo de tomada de decisão. Dessa forma, o vendedor não apenas explica em detalhes o funcionamento do seu produto ou serviço, mas também pode ajudar o cliente a estruturar seu desafio de negócio, a compreender problemas internos da sua empresa e até avaliar proposta de concorrentes.

A literatura de vendas e de negócios em geral fala muito sobre a importância da venda consultiva. No entanto, nota-se uma escassa discussão sobre os cuidados que se deve ter ao se praticar a tão famosa abordagem consultiva em vendas, embora seja um problema frequente de quem a pratica encontrar uma medida certa de até onde ir com a consultoria.

A declaração ano passado do Rodrigo Galindo, CEO do maior grupo de educação superior do Brasil, a Kroton, causou polêmica e traz mais insumos para essa discussão. Na ocasião Rodrigo Galindo afirmou que na época em que o seu grupo educacional não possuía dinheiro, eles realizavam processos seletivos de consultorias, ouvia as melhores ideias e não contratavam nenhuma.

A afirmação gerou polêmica, revolta e um pedido de desculpas de Rodrigo Galindo, que depois tentou explicar o que já estava explicado. A declaração do principal executivo do mercado de educação do Brasil traz o desafio de quem vende conhecimento: como vender o peixe sem entregar o peixe?

A venda de conhecimento como produto final ou ainda a venda respaldada por um olhar consultivo sempre vai incorrer nesse risco do vendedor apresentar seu conceito e o cliente pegar a sua ideia e executa-la internamente ou ainda passá-la para um fornecedor mais barato.

Para citar uma experiência pessoal, apenas ao longo de 2017 lembro de ao menos cinco potenciais clientes que possuíam demandas de digital muito pouco estruturadas, ou seja, tinham problemas em suas empresas relacionados à estratégia digital, mas não sabiam exatamente qual era o problema e muito menos como solucioná-lo. Em meu processo de venda ajudei estes clientes a definirem claramente suas dores e estruturar um plano de trabalho como solução.

Com minha proposta em mãos, estes potenciais clientes pegaram meu material e levaram para o mercado para fazer a clássica cotação de 3 propostas. Não fechei nenhum negócio. Qual foi o aprendizado dessas situações?

Em primeiro lugar, esse risco sempre vai existir para quem vende conhecimento ou ainda realiza vendas consultivas. O segundo aprendizado é ter um pouco mais de controle sobre o que você entrega em uma proposta. Sua proposta não pode ser um edital de concorrência! Trata-se de uma tarefa difícil para quem vende conhecimento não entregar muito o jogo, mas é possível mudar esse cenário se você exercitar os conceitos que passo a seguir.

Ao fazer uma proposta consultiva, procure vender a transformação, ou seja, mostre claramente o ponto A do cliente, ou seja, sua situação atual e enfatize, na sequência, o ponto B, ou seja, onde você vai leva-lo. Isso é vender transformação! O que será feito para deixa-lo em outro patamar é o seu segredo como vendedor consultivo e deve ser pouco revelado nessa proposta.

Essa estratégia pode mitigar significativamente o risco da venda do seu conhecimento, mas ela não é 100% efetiva. Existem clientes que vão querer aprofundar a discussão para fechar negócio contigo e vão exigir você contar o “como fazer”. Nesse tipo de situação, uma saída é apresentar algum case semelhante, caso possua, sem mostrar exatamente o plano para esse cliente específico. Se ainda assim precisar apresentar o “como” deste cliente, evite escreve-lo na proposta. Procure falar verbalmente.

Além de se proteger na forma que você entrega seu conhecimento em uma proposta, outra questão crucial nesse processo de venda é ter o radar muito apurado para detectar falsas concorrências que são elaboradas com o objetivo de sugar conhecimento gratuito do mercado, como no suposto caso da Kroton. Trata-se da situação mais danosa para quem vende conhecimento.

Neste caso, cabe ao executivo de novos negócios avaliar a consistência dessa concorrência. Questionamentos sobre quem está participando do processo além da sua empresa, budget para o projeto, avaliação da pessoa que está demandando o serviço e até análise se essa empresa possui histórico prévio no mercado de contratar esse tipo de serviço ajudam na avaliação da veracidade da concorrência. Se após essas análises ainda persistirem dúvidas, não participe do processo, não por entregar conhecimento gratuito ao mercado, mas para não perder seu precioso tempo comercial.

Realmente acredito que a maioria dos problemas da venda consultiva não estão relacionados à má fé dos contratantes. Ainda que este problema exista, ele é ínfimo no mercado. A grande questão é que os vendedores entregam demais no seu fluxo de vendas. Aprendi duas coisas com esse processo de vendas consultivas: 1) Venda a transformação, ou seja, busque outros argumentos de vendas que não seja a estratégia de levar o cliente do ponto A ou B. Marque bem esses dois pontos, mas não conte como você vai fazer essa transição. 2) O segredo está na execução e não na ideia. Clientes que buscam migalhas de conhecimento presentes em propostas são clientes ruins, normalmente orientados a preços e não a valor. Você realmente quer esse tipo de cliente? Foque em seu negócio: mais do que vender boas ideias, execute com maestria ideias geniais. Bons clientes pagarão muito bem por esse binômio!

 

 

 

 

Como o “executivo piloto automático” fracassa empresas

Quem nunca ao viajar de avião cruzou no saguão do aeroporto ou dentro da própria aeronave com o comandante do avião? Dentro do seu traje impecável, do seu olhar superior e da sua atmosfera resoluta, é ele que conduz o seu voo em segurança, operando uma máquina milionária e complexa.

A descrição deste profissional dos ares poderia ser aplicada a um executivo de uma grande empresa. Trata-se também de um comandante, que dentro de um universo psicológico muito parecido, se assemelha à um piloto de um jato comercial. No entanto, as maiores semelhanças entre um comandante de um avião e um executivo não estão nas suas atitudes e comportamentos e sim na maneira como operam seus ambientes de trabalho.

O piloto de um Boeing 777 conduz um aparelho complexo, que para operar é preciso coordenar o funcionamento em sincronia de diferentes dispositivos. Com ajuda de um copiloto e sobretudo de inúmeros computadores, o comodante da aeronave leva o avião de um ponto A a um ponto B. Durante a maior parte desse trajeto o avião voa no piloto automático, sendo supervisionado pelos pilotos.

As grandes organizações produziram executivos que são réplicas de um piloto de Boeing ou Airbus. Levam empresas de uma ponta a outra operando um painel complexo de indicadores, equipes, comitês, consultorias e ferramentas. Gerenciam organizações apertando um ou outro botão, mas não possuem efetivamente o controle do manche das suas empresas, assim como um piloto de uma aeronave moderna que não pilota sem ajuda de computadores e outros dispositivos.

Porém, os grandes pilotos da aviação comercial nunca abandonaram a sua real vocação de voar. De tempos em tempos saem do conforto do cockpit dos seus jatos e voam pequenas aeronaves, monomotores na maioria das vezes, sem instrumentos complexos de navegação, que para decolar e pousar dependem do real talento dos pilotos. São nestes voos que os pilotos sentem a força da gravidade brigando com a aeronave ou impacto dos ventos no curso do seu voo. Efetivamente estão no comando de um avião.

Onde quero chegar com essa analogia de pilotos com executivos?

As grandes empresas no mundo inteiro formaram profissionais que conduzem negócios complexos e bem-sucedidos, que dentro de seu cockpit empresarial, funcionou muito bem. São executivos que normalmente trabalham em um modelo em que só tomam decisões respaldados de muita informação, que gerem equipes baseados em sua hierarquia, que se valem do sobrenome corporativo para realizar negociações externas, que lançam projetos com budgets elevados e prazos que poucas vezes são cumpridos e mais: como estão em uma organização complexa, qualquer fracasso individual pode ser empurrado para um colega mais fraco politicamente, da mesma forma que o comandante culpa o copiloto por um pouso pouco suave.

Ocorre que o mundo dos negócios mudou numa velocidade que a grande maioria desses executivos não conseguiram acompanhar. Hoje exige-se muito mais protagonismo, agilidade e capacidade de lidar com turbulências, que o executivo em piloto automático não consegue reagir. O profissional que não entende as novas dinâmicas de comunicação, o impacto que a transformação digital trouxe para todo negócio e a maneira como gerir sua equipe de jovens, não é mais capaz de levar sua empresa aonde ele sempre levou.

Hoje é crescente o número desses “executivos piloto automático” que estão disponíveis no mercado de trabalho. Seja porque as grandes empresas já perceberam que o seu comando não é mais efetivo, ou porque se aposentaram, mas como ainda estão jovens e com muita energia, buscam outros desafios.

É nessa hora que esses executivos que passaram a vida inteira pilotando um Boeing 777 buscam empreender ou conduzir negócios pequenos e aí ocorre um verdadeiro choque de realidade: percebem que não sabem mais ou talvez nunca souberam voar um avião pequeno. Desconhecem como trabalhar em uma estrutura enxuta, não sabem quais variáveis controlar, não conseguem migrar do macrogerenciamento para o microgerenciamento, enfim, desconhecem os vetores que movem a empresa.

Neste contexto, é comum ver executivos que geriam unidades de negócios ou empresas que faturavam R$500 milhões por ano e hoje não conseguem tocar o salão de beleza da esposa ou o petshop de bairro da filha veterinária. Isso porque precisam, para tomar uma simples decisão de fazer uma promoção, de estudos de mercado da Nielsen ou ainda de um relatório executivo da McKinsey. Normalmente também pecam na gestão de suas equipes, formadas geralmente por jovens da Geração Y, que se importam menos com hierarquia e salários e buscam muito mais um alinhamento de propósito com a empresa para desempenhar bem suas funções, algo fora do radar dos “executivos piloto automático”. Parêntesis: ainda nem entram em rota de colisão com a Geração Z, que não dá nem valor aos estudos formais, algo muito valorizado por esse executivo que fez seu MBA em Harvard ou MIT.

A grande questão que fica é que são profissionais extremamente competentes que não conseguem conduzir negócios. São gerentes de máquinas burocráticas. Porém, as próprias empresas estão deixando a burocracia de lado. Adotam cada vez mais o pensamento lean, derrubam hierarquias, buscam conduzir suas grandes operações como se fossem um negócio local. Quando uma grande empresa patrocina iniciativas de Corporate Venture, ou seja, de apoiar startups, ela não busca apenas inovação tecnológica. O único ganho que é garantido se esse processo for bem feito é trazer um mindset mais moderno na maneira de pensar e gerir negócios. Algo que o executivo padrão, aquele que voou a vida inteira no piloto automático não possui.

Esse executivo é talentoso e muitos se esforçam para corrigir esse gap, que não é apenas de conhecimento, sendo em grande parte de modelo mental. Em geral, essa correção ocorre em busca de uma pós-graduação ou cursos rápidos nas universidades de ponta aqui do Brasil. É nessa hora que o problema é encoberto: a maioria das pós-graduações de marketing, empreendedorismo e inovação tecnológica aqui do Brasil estão defasadas. O aluno busca instituições de renome, mas que também estão em crise em seu modelo de ensino e vendem cursos que já nascem defasados e que após dois anos de duração, entregam um conteúdo pouco ligado à realidade. Dica: para estudar conhecimentos de tecnologia, inovação e negócios é importante buscar nanodegree, ou seja, cursos curtos e rápidos, ministrado por pessoas que estão vivendo as transformações de verdade.

Para encerrar, gerir um negócio hoje, seja ele próprio ou em uma grande empresa requer controle efetivo do manche da organização. Não é mais possível simplesmente controlar um painel complexo e deixar que o piloto automático conduza a empresa. Essa habilidade é cada vez mais dominada por muita gente, mas assusta ver o número de executivos de alto escalão que ainda desconhece os princípios básicos de condução de um negócio em sua essência, como gestão de canais, construção de diferencias, gestão de equipe, desenho de produtos e serviços dentro de uma ótica mais simples, alinhada ao mundo veloz e efêmero. Trata-se de uma mudança de mindset e não apenas um conhecimento que pode ser comprado em curso caro e que possui um bom selo.