Arquivos mensais: abril 2018

A revolta contra o Vale do Silício

O termo “Vale do Silício “refere-se a região da Baía de São Francisco, nos Estados Unidos, e foi utilizado pela primeira vez no início da década de 70 pelo jornalista Don Hoefler para se referir as empresas de tecnologia que haviam se instalado na região.

No entanto, a origem do Vale do Silício remonta a um período muito anterior à criação do termo. No início do século 20 a região abrigou a Universidade de Stanford, que construiu seu campus em uma imensa fazenda e passou a desenvolver cursos de engenharia e tecnologia.

A Universidade de Stanford não se limitou apenas ao ensino. Incentivou seus alunos a construírem empresas e no meio do século passado surgiu um grande ecossistema de indústrias eletrônicas, sobretudo de indústrias de semicondutores. Também nasceram lá empresas de hardware, como a lendária Hewlett Packard.

Se ao longo do século 20 o Vale do Silício abrigou as maiores invenções tecnológicas do mundo, com empresas de hardware e software, tais como Xerox, Apple, Intel e Microsoft, nada mais natural do que a região servir de berço para a nascente indústria da internet. Foram nas garagens e campus do Vale que nasceram empresas como o Google, Yahoo, Uber, Netflix e também abraçou o Facebook, que surgiu inicialmente na costa leste norte americana.

A cultura do Vale do Silício

 Mais do que criar e acolher firmas de presença global, com bilhões de clientes e usuários pelo mundo, a região exportou a cultura do Vale do Silício, que se tornou o seu principal ativo, difícil de ser copiado ou replicado e virou objetivo de desejo de pessoas, empresas e até países.

Essa cultura talhada ao longo de quase um século nesta região árida da Califórnia pode ser descrita pelos seguintes elementos:

  • Inovação: o Vale do Silício é sinônimo de inovação, não apenas tecnológica, mas também na maneira de formatar negócios, gerir pessoas e explorar novas oportunidades.
  • Estilo de vida: a região é conhecida por um estilo de vida mais saudável, com pessoas mais abertas a novas oportunidades e relacionamentos. Lá é comum concorrentes se sentarem na mesa para compartilhar experiências.
  • Pontos de encontro: justamente por ser um local aberto à troca de experiências, existem inúmeros pontos de encontro oficiais para troca de vivências, como cafés, restaurantes e bares.
  • Investidores: por ter sido o berço de grandes empresas tecnológicas, um importante ecossistema de investidores se estabeleceu na região, para suportar financeiramente essas empresas nascentes.

Por conta dessa cultura mítica, que sejamos honestos, justificada, o Vale do Silício tornou-se um grande imã para novas empresas, estudantes de empreendedorismo, organizações e governos que querem compreender como o mundo evoluirá nos próximos anos e décadas. Um exemplo é a badalada Singularity University, que fincou seu campus em um terreno na região.

As consequências da badalação da cultura do Vale

 Por conta dos inúmeros atrativos, muitas empresas bilionárias e pessoas fixaram endereço no Vale do Silício, sobretudo na região metropolitana de São Francisco. A enorme migração de gente endinheirada fez com que ocorresse um aumento exacerbado no preço dos aluguéis e custo de vida na Bay Area.

A consequência do aumento nos preços na região de São Francisco fez que a área ficasse inviável financeiramente para muitas pessoas nascidas e criadas ali. Por isso, um êxodo forçado passou existir, por conta da inflação gerada pelas empresas de tecnologia. Como não poderia deixar de ser, as startups badaladas do Vale do Silício começaram a ganhar a antipatia de muita gente na região.

Mas engana-se quem pensa que a recente rejeição às queridinhas empresas do Vale do Silício encerra-se apenas na região de São Francisco. Esse movimento ganha proporções globais quando olhamos para o Facebook, apenas para citar um exemplo.

O desgaste de imagem da principal rede social do planeta ocorre em proporções incríveis. Começou no final de 2016, quando ficou evidente que as Fake News influenciaram na eleição de Donald Trump. Agora ganhou contornos ainda mais grave com o caso da Cambridge Analytica, que usou de maneira obscura dados de 87 milhões de usuários para influenciar a eleição norte americana. Com os recentes acontecimentos e a ida de Mark Zuckerberger ao Congresso dos Estados Unidos para dar explicações, as ações do Facebook acumulam queda de 9,5% do início do ano até 25 de abril.

Ainda é cedo para dizer que as empresas do Vale do Silício enfrentam uma maré negativa, mas os ventos já não sopram tão a favor como antigamente. Nos últimos anos muita gente passou a questionar a cultura de trabalho do Google, que num primeiro momento causou frisson ao introduzir um ambiente de trabalho lúdico e hoje é questionado pelas elevadas jornadas de trabalho, cobranças excessivas e pouca diversidade de gênero.

A Apple também já passou por momentos difíceis e constrangedores por conta do seu modelo de produção, ao terceirizar a fabricação dos seus produtos para linhas fabris na Ásia. Uma onda de suicídios e denúncias de maus tratos na linha de fabricação de Iphones e afins causou desgaste na imagem da marca mais valiosa do planeta.

Agora quem entra na mira é a Amazon, que passou a ser atacada publicamente por Donald Trump. A gigante do comércio eletrônico foi acusada pelo presidente norte americano de se valer de contratos vantajosos com os Correios dos Estados Unidos. Segundo o mandatário, a empresa lucra às custas do povo, ao pagar um valor de frete muito baixo. Independente da real motivação de Trump atacar a Amazon, fato é que mais uma empresa do Vale do Silício entra em outra zona de fogo.

É inegável o poder de transformação que as empresas do Vale do Silício trouxeram ao mundo nas últimas décadas. Por conta da imensa contribuição que praticaram, muitas dessas organizações ganharam um poder maior do que muitos Chefes de Estado. Essa influência gerou muita admiração. Mas o controle excessivo de informações pessoais e concentração de mercado começa a trazer consequências negativas. Parece que vamos viver agora uma nova era, em que empresas admiradas vão ter que lutar para garantir sua aceitação.